Zaragoza doa quadros ao Museu Nacional de Brasília
Trata-se de uma série completa, chamada “Não Matarás”, que retrata o período e as práticas da ditadura
Num momento em que o Brasil busca recontar sua história recente, a partir da Comissão da Verdade, criada para restabelecer definitivamente os fatos relacionados à ditadura militar, o publicitário e artista plástico José Zaragoza, sócio-fundador da DPZ Propaganda, resolve doar quadros e esculturas que fez durante esse período, os chamados anos de chumbo, para o Museu Nacional de Brasília. Ele pintou essa série, batizada de “Não Matarás” ao longo de muitos anos e as obras estiveram expostas no Museu de Arte de São Paulo Chateaubriand (MASP), em 1986. Agora, depois de cumpridos todos os trâmites, farão parte do acervo do Museu Nacional de Brasília, para onde estão sendo enviadas nesta semana com o respectivo termo de doação.
José Zaragoza, catalão de nascimento, brasileiro por opção, veio para o Brasil ainda muito jovem justamente para se afastar da ditadura de Franco. “Eu sempre abominei esse tipo de controle, a falta de democracia, as ditaduras, sejam de direita ou de esquerda. Por isso dediquei tanto tempo de minha vida a buscar retratar meu repúdio a tudo isso.” Durante muito tempo, silencioso, ele pintou e esculpiu essa série de quadros e esculturas que retratavam a ditadura, os chamados anos de chumbo, e a fase de transição, batizada de Nova República. Era sua forma de expressão, de mostrar sua indignação com a tortura e a falta de democracia no País que o acolheu, que o tornou conhecido mundialmente pela pintura e propaganda, e que ele escolheu como Pátria.
Sobre esses quadros e seus significados, em 1986, escreveram Pietro Maria Bardi, Neil Ferreira e Jacob Klintowit, entre outros. Para relembrar esses textos e as obras Zaragoza produziu um folheto, com esses escritos e ilustrações das obras, meio que contando todo esse processo. Nele ele incluiu inclusive o termo de doação ao museu. “É um grito, um desabafo, um apelo….”, “Não Matarás é um depoimento indignado…” estão entre as frases dos que sobre essa série escreveram à época.
As obras retratam em tons cinza, preto, vermelho, em tarjas e cárceres, momentos que o Brasil e sua população esperam jamais reviver. Clausuras e torturas, homens sem alma, sem sentimentos, carrancudos, o sofrimento dos que foram mortos, torturados, mutilados pela dor das prisões e dos porões da ditadura. “Não Matarás” foi, segundo Zaragoza, sua forma de dizer basta! De fazer um apelo para que o processo de redemocratização não fosse interrompido. Ele não queria mais voltar a pintar pelos motivos de tanta violência.
Essas peças receberam, por tudo isso, o nome “Não Matarás” e foram expostas no MASP em 1986, a convite do então Presidente, Pietro Maria Bardi. Depois do evento, foram guardadas com todo cuidado e a sete chaves pelo artista em seu atelier. Vintee seis anos depois, Zaragoza decidiu que esse quase documento deveria estar em outro lugar, voltar ao acesso público, sobretudo a partir da criação da Comissão da Verdade. “Escolhi o Museu Nacional, do Conjunto Cultural da República, em Brasília, por sua importância, pela afinidade do tema, pela proximidade com o poder decisório do País e das obras de alguém que eu tanto admirei, Oscar Niemeyer.”
A Secretaria de Cultura do Distrito Federal e o Museu Nacional desenvolvem um trabalho junto à sociedade que está em plena sintonia com os conceitos que as obras de Zaragoza faz transparecer. Por isso, o artista espera que sua iniciativa encontre eco entre as autoridades e permita a todos reflexões sobre a importância de se ter um País livre, uma democracia plena.
José Zaragoza entende que era preciso esse tempo antes que essas obras pudessem ter um destino definitivo.“Penso que o passado deve ser preservado sempre, mas determinadas memórias e imagens precisam de um tempo de reclusão antes de serem revistas. Neste caso, estamos falando de um passado muito ruim e que deixou lembranças amargas. Agora, com o devido tempo, devem ser preservadas, para que essas práticas jamais floresçam de novo no nosso Brasil”.